quarta-feira, 27 de abril de 2011

Paternalismo

Depois de um tempo sem postar, volto a expor um acúmulo de frustrações que se passaram durante as últimas semanas. Para quem é professor da rede pública, o título deste post já deve indicar alguma coisa.

Penso que um dos problemas centrais da educação pública no Brasil de hoje é o excesso de paternalismo com que o sistema trata nossos alunos. Antes que eu prossiga, gostaria de deixar claro que não estou pregando contra a escola democrática e inclusiva. Pelo contrário, defendo-a da mesma forma que defendo os valores democráticos para o conjunto da sociedade, valores esses que implicam um equilíbrio entre individualismo e coletivismo; que norteiam a distinção entre público e privado, e que ressaltam os direitos e deveres necessários para o convívio em sociedade. Sim, DEVERES, também!

Infelizmente, nossos alunos não aprendem nas escolas tais valores e acabam se apegando em demasia aos direitos, atropelando muitas vezes o espaço coletivo, incluindo-se aí os direitos de outros alunos e dos professores. Digo isso porque tenho visto um excesso de indulgência em relação às notas e ao desempenho dos estudantes. Não que o professor esteja lá para "ferrar" o coitado. Não se trata disso. O problema é quando somos colocados na parede, devendo fazer uma série de concessões para que nossos alunos não fiquem com notas vermelhas, para que tenham várias opções de avaliação: pontos extras de participação, autoavaliação, provas, seminários, atividades, trabalhos etc.

Não sou contra uma certa gama de oportunidades. O problema é quando se utiliza isso como pretexto para não se esforçar e, pior ainda, quando os valores se invertem, sendo culpa do professor uma nota vermelha em alguma prova, atividade ou na média final do bimestre.

Aconteceu comigo um caso exemplar no 3º ano do Ensino Médio. Era uma aula reservada para a realização de uma atividade extra, feita exatamente para ajudar nas notas dos alunos. Aliás, usei a mesma aula para aplicar atividades compensatórias para os alunos que faltaram na prova bimestral, feita duas semanas atrás. É isso mesmo! Faz duas semanas que tem aluno sem nota de prova, mas eles têm o direito de faltar no dia e o professor tem o DEVER de aplicar alguma atividade para que eles não fiquem sem nota. Pois bem, voltando ao acontecido, uma aluna começou a observar o meu diário - sem autorização, diga-se de passagem - e fez um escândalo porque não tinha nota de trabalho, argumentando que o havia realizado. Num surto de descontrole, a fulana encontra o dito cujo em meu diário e mostra-o para mim, batendo com a mão aberta nele - que por sinal estava em cima do meu diário -, não o rasgando por pouco. Foi quando me dei conta de que era um trabalho sem nome e retruquei-a expondo isso. Mesmo assim ela exigiu a nota. Respondi que não daria a nota por sua falta de educação e que, se fosse mais contida e educada, eu poderia alterá-la.

Vejamos a situação. Uma aluna de 3º ano não sabe colocar o próprio nome em um trabalho e faz um baita escândalo colocando a culpa em mim por sua nota baixa. O pior de tudo é que ela acabou fazendo a atividade do dia e deve ter sua nota melhorada por conta disso.

Ou seja, somos todos grandes paternalistas. Não ensinamos compromisso, responsabilidade e esforço aos nossos alunos.

Faltou na prova? Ah tudo bem, faça uma atividade valendo metade da nota. Ainda assim reclamam. Querem mais. Você dá a mão e querem o braço; tenta ser moderno, utilizar as teorias pedagógicas respaldadas pela academia e pela política pública e a nossa vida é que vira um inferno. Talvez seja inexperiência de alguém que trabalhou a maior parte do tempo em colégios particulares. De qualquer forma, o paternalismo aparece de várias formas no ambiente escolar. Há, sim, um desequilíbrio entre direitos e deveres, principalmente quando uma minoria atrapalha o andamento das aulas, prejudicando a maioria dos alunos; quando eles exigem que sejam liberados 5 minutos antes do intervalo ou da saída, chegando às vezes a tentar tirar a carteirinha da sua mão (no caso da última aula, quando o professor entrega as carteirinhas aos alunos).

Algo precisa ser feito. É preciso ensinar democracia e cidadania de verdade aos alunos, aos pais e à equipe escolar. Abolir o paternalismo, o "coitadismo", e tratá-los como o ECA exige, isto é, como sujeitos plenos de direitos ... e deveres.

domingo, 3 de abril de 2011

Indisciplina ou má educação?

Boa noite!

Nos próximos posts, enfatizarei o problema da indisciplina na escola e na sala de aula. Problema que tira o sono de professores e todos os que trabalham com educação. Não me preocuparei com elucubrações teóricas, já que o objetivo deste blog é tão somente retratar o cotidiano escolar a partir do ponto de vista do professor.

Pois bem, ao falar de indisciplina, quero aqui antecipar algumas observações. Em primeiro lugar, o problema da indisciplina em sala de aula se deve a inúmeros fatores: condição social e nível de escolaridade dos pais dos alunos, presença do professor, atitude firme da direção da escola, bem como o grau de valorização que a sociedade confere à educação. Além disso, precisamos destacar os diversos níveis de indisciplina. Desde uma inocente conversa paralela até um briga ou um confrontamento contra o professor há uma distância enorme. O que pretendo tratar aqui é exatamente o caso mais extremo, que infelizmente é cada vez mais comum em nossas salas de aula. Ou seja, não estamos falando da velha conversa paralela e das distrações que tanto faziam parte de nossas vidas quando éramos alunos; tampouco trata-se do caso em que o professor é completamente omisso e incompetente. O que estou afirmando é que, mesmo quando temos professores e direção comprometidos, a indisciplina grave ainda ocorre, e dificilmente, passa uma semana sem que a escola enfrente um caso mais grave. Em suma, o problema está fora dos muros da escola, na comunidade, na sociedade.

Vou citar alguns exemplos para que entendam melhor a situação. Todos ocorreram comigo em sala de aula, alguns mais graves, outros menos.

Era uma aula como qualquer outra de História em uma turma do 1º ano do Ensino Médio. Já é uma sala difícil, com alguns alunos que não conseguem ficar sentados, mesmo quando advertidos, e com conversa paralela generalizada em volume alto. Estava eu verificando as atividades dos alunos e atendendo em particular as dúvidas de duas alunas. É um momento em que você deve dedicar atenção especial aos alunos com dúvidas, enquanto o restante da sala fica mais livre. Esta situação seria perfeitamente normal em turmas com alunos relativamente tranquilos e disciplinados. O problema é que enquanto eu atendia as alunas, dois alunos do fundão resolvem sair na porrada do nada. E foi porrada mesmo, uma verdadeira luta de boxe. Tive de largar o posto de professor e entrar como juiz para separar os brigões. Encaminhei-os à diretoria.

Fico pensando como uma briga pode ter surgido do nada, já que a aula seguia mais ou menos dentro da normalidade. Percebam que isso é algo que não está previsto nas teorias pedagógicas, nas aulas de didática, nem pode ser colocado como responsabilidade do professor. É uma situação complexa na qual você realmente se sente impotente.

Na mesma sala, só que em outra ocasião, aconteceu algo que admira aqueles que ouviam de suas mães, desde pequenos, que se deve respeitar as coisas dos outros, que não se deve sair por aí mexendo nos objetos alheios sem autorização. Algo básico que aprendemos desde cedo, não é mesmo?

Pois bem, estava eu dando aula na sala de vídeo, com o computador ligado. Quando terminou a aula, fui para a frente da sala para entregar as carteirinhas dos alunos. Quando termino, qual não é a minha surpresa ao ver dois alunos mexendo e brincando com o computador! Alguém permitiu que eles o fizessem? Que falta de bom senso e educação!

Mas isso acontece com grande frequência. Se você descuidar eles mexem nos diários de classe, no estojo do professor e até no computador, se você se preocupa em dar aulas mais dinâmicas e variadas para eles. Infelizmente esta realidade é presente e desanima um bocado.

Um outro caso ocorreu em uma turma de 3º ano do noturno. A aula fluía bem, com alunos participando de forma interessada. Estávamos exercitando questões de Enem e vestibular na disciplina de atualidades. De repente, ouve-se um estouro seguido de gargalhadas efusivas vindas de 4 ou 5 alunos que sentavam no fundo. Eles haviam explodido uma bombinha em plena sala de aula, novamente do nada! Vai entender o que leva o sujeito a fazer isso!

Nem preciso dizer que a aula terminou e eu fiquei furioso. Fiz um discurso inflamado e percebi que para alguns deles (além dos que estavam envolvidos com a bombinha) nem deram bola. Faziam ares de quem estava de saco cheio, do tipo "Lá vem ele com aquele discurso moralista de professor chato!".

Em todos esses casos, voltei para a casa nervoso, com as mãos tremendo e um abatimento considerável. Aquelas aulas foram meticulosamente preparadas e ocuparam algumas horas do fim de semana e de momentos que deveriam servir para descanso após o expediente de trabalho. Nesses dias, as noites foram muito mal dormidas também.

É nessas horas que penso se vale a pena. Para que se matar, tentar trazer seu conhecimento, sua bagagem para oferecer perspectivas para esses alunos, se as condições de trabalho não o permitem? Eles continuarão fazendo isso, porque a escola é refém de uma sociedade que não prioriza a educação e que mal sabe o que ocorre dentro das salas de aula. É cada vez mais comum vermos professores desmotivados, cansados ou simplesmente desencanados. Muitos entram já pensando em sair, estão fazendo mestrado, procurando escolas particulares, universidades ou outros concursos públicos. Não adianta falar em números, índices e estatísticas se não explicitarmos esta grande deficiência da sociedade brasileira: a falta de educação generalizada. Se isto não for corrigido, teremos um crescimento econômico torto, com consumismo desenfreado, indivudalismo grotesco e um trânsito cada vez mais caótico, que relfete o nível educacional da população. Em suma, não atingiremos o desenvolvimento de fato.