quarta-feira, 30 de março de 2011

O cocô

Saudações!!!

Hoje a bruxa estava à solta.

Em primeiro lugar, gostaria de marcar minha insatisfação com a política de bônus do governo do estado. Ela se baseia no IDESP, um índice estadual que leva em conta a nota de cada escola no SARESP - uma prova que avalia os conhecimentos e habilidades adquiridos pelos alunos a cada duas séries, havendo uma meta para cada etapa - e o fluxo escolar - que demonstra a quantidade de alunos matriculados na idade correspondente à série, assim como os evadidos e retidos. Em suma, para um escola ter um bom IDESP basta os alunos irem bem no SARESP e nunca repetirem de ano.

Por conta desta metodologia, muitas escolas acabam aprovando alunos que não aprenderam nada para a série seguinte. Fazem de tudo: dão trabalhos de compensação de ausência, pontos extras de participação, trabalhinhos de recuperação etc. Assim as chances de professores, coordenadores e direção terem um bônus podem ser maiores. O problema é que muitas vezes os alunos não dão a mínima para o SARESP, mesmo os mais aplicados. Não vêem sentido nesta prova. Ainda não sei por que razão o governo não utiliza o ENEM em lugar do SARESP, já que se trata do mesmo estilo de prova, avaliando as mesmas competências e habilidades, só que com uma importância prática bem maior. No caso do 9º ano, o SARESP poderia ser vinculado aos vestibulinhos das ETECS, por exemplo.

Em suma, minha escola não atingiu um resultado considerado satisfatório no ano passado e, assim, vários professores que antes ganhavam 3, 4 ou até 5 mil reais de bônus nos anos anteriores tiveram de se contentar com, no máximo, 500 reais. Esqueci de dizer também que o cálculo de bônus leva em conta a assiduidade do professor ao trabalho, resultando assim em variações na premiação de alguns colegas. A consequência foi a revolta e o descontentamento no dia de hoje. Notava-se claramente o stress, o desânimo e a apatia pelo corpo docente. Fiquei sabendo que, no período noturno, ao olharem suas contas bancárias, os professores simplesmente boicotaram em massa o trabalho, não comparecendo à escola.

Agora bem, este descontentamento não é só por conta do bônus. É na verdade consequência de um acúmulo de desilusões que levam os professores à beira do nervosismo. E um exemplo do ápice do baixo nível a que chegou a escola pública aconteceu hoje e tem a ver, finalmente, com o título deste post.

Logo de manhã, por volta das 7h05 min os professores já se encaminhavam para as salas de aula. Eu fiquei na sala dos professores, pois minhas turmas de 1º ano tinham ido a uma excursão. Cinco minutos depois um dos professores volta indignado:

- Cagaram na sala de aula!

Sim, isso mesmo. Logo cedo havia um baita cocô em uma das salas de aula e, evidentemente, o professor se recusou a dar aula. E para piorar, haviam arrancado o ventilador e destruído aquela madeirinha da lousa onde são colocados os gizes e apagador. É com esse tipo de situação que lida o professor.

A escola foi recentemente pintada, reformada, ventiladores novos foram colocados e já no início do ano, sinais de depredação ficam claros: pichações, pedaços de carteiras soltos (um perigo, por sinal, pois algumas daquelas barras de metal podem ser utilizadas como armas), portas arrombadas, banheiros impraticáveis, entre outras coisas. Sem contar na falta de respeito e indisciplina por parte de muitos alunos (algo que será mais aprofundado em outro post).

Com tais condições fica difícil desenvolver um trabalho que modifique a vida e as perspectivas de nossos alunos. Os salários já não são convidativos (por volta de R$ 1.800,00 para o ingressante em 40 horas de trabalho) e os estímulos, no caso o bônus, ficam mais a cargo dos alunos, do que de nosso próprio suor, que já não é pouco. Enfim, querem que façamos um milagre, com cocô e tudo. Assim não dá!

terça-feira, 29 de março de 2011

Primeiro post

Olá a todos!!

Meu nome é Henrique e sou professor de História da rede pública estadual de São Paulo. Leciono em uma escola localizada na Zona Leste da capital paulista, local no qual venho tendo minhas primeiras experiências com a realidade da educação pública brasileira.

Vou utilizar este canal para transmitir meus pensamentos e peripécias dentro da sala de aula, tendo a dupla intenção de esclarecer muitas pessoas a respeito da relação professor-aluno na escola, bem como de propor discussões sobre o projeto de educação, consequentemente de sociedade que queremos.

Muitos dos formuladores das políticas educacionais - incluindo-se aí as propostas pedagógicas - não têm a mínima noção de como é ser professor em uma escola de periferia. Mais que isso, conhecem nossos alunos através de tratados de sociologia e de estatísticas, mas não têm condições de perceber sua relação com o espaço escolar, principalmente na sala de aula com os professores e colegas. Por isso, pretendo aqui desvelar as vicissitudes desta relação.

Esclareço desde já que procurarei relatar os acontecimentos de forma idônea e transparente. Todavia, não deixa de ser a visão do professor, de um professor mais acostumado à dinâmica do mundo acadêmico das universidades públicas e dos colégios particulares. O leitor crítico pode e deve utilizar este filtro, aproveitando meus próprios depoimentos para compreender quem é o professor, qual é sua realidade de trabalho e quais ideais ele carrega consigo.

Antes de iniciar a descrição dos fatos desta semana, procurarei de início fazer um apanhado geral acerca de minhas impressões como professor ingressante na rede estadual.

À primeira vista, a escola que escolhi para lecionar me pareceu com plenas condições de exercício docente: boa infraestrutura, com quadra coberta (algo não muito comum em outras escolas), rádio dos alunos, auditório com equipamento para audiovisual, muitas salas de aula, professores experientes e bem formados - com as devidas exceções - e alunos interessados e respeitosos. Tais ingredientes seriam suficientes para a realização de meu ideal de trabalho. Iniciei com vontade de ministrar aulas dinâmicas e interessantes; com conteúdos bem desenvolvidos e direcionados aos vestibulares e ENEM (já que se trata de uma escola de Ensino Médio). Todavia, a realidade não era bem essa, revelando-se progressivamente mais fria.

Um dos primeiros problemas a serem enfrentados é a adaptação do professor ao estilo dos alunos, e vice-versa. Como disse, venho de uma recente experiência como professor de universidade e trabalhei quase toda a minha carreira em colégios particulares, com turmas que iam do 6º ano ao curso pré-vestibular. Tentar implantar uma filosofia de trabalho distinta daquela a que os alunos da rede pública estão acostumados é difícil.

Em primeiro lugar, porque muitos deles não anseiam por vagas em universidades e nem sabem muita coisa sobre o ENEM ou o Prouni. Além disso, tiveram pouco contato com questões destes exames, as quais eles descrevem como questões de "xiszinho". Também não desconfiavam da multiplicidade de universidades públicas e particulares que podem lhes oferecer bons cursos.

Em segundo lugar, a maioria destes alunos não tem autonomia para acompanhar uma aula explanatória - muito comum nos cursinhos - na qual a atenção é requerida para se compreenda as relações de causa/efeito, bem como a importância de processos históricos. Na verdade, são eles copistas, que se acostumaram com professores que escreviam enormes textos na lousa e depois passavam questões cujas respostas facilmente se encontravam no corpo do mesmo. Em suma, bastava encontrar a resposta no texto e copiar o trecho que correspondia à referida questão. De qualquer forma, as turmas do 3º ano se mostraram um pouco mais autônomas, sendo que muitos alunos parecem mais propensos a receber situações diferentes. Já nos 1ºs a coisa é mais complicada. A velha dinâmica giz, lousa e saliva é recomendável, ainda mais porque não existe um material de apoio (livros ou apostilas), sendo que os resumos na lousa são todo o precioso conteúdo que recebem.

Mas alguns podem pensar: Por que o professor não traz atividades diferentes? Ele pode inovar!

É verdade, em parte. No meu caso, procuro bolar atividades de grupo, aulas de sensibilização (sondagem dos conhecimentos prévios do aluno antes de iniciar cada conteúdo), trazer material extra e levá-los ao auditório para seções de filmes e aulas em powerpoint. Vários outros professores também se esforçam em fazer tudo isso. O problema é que a falta de estrutura fala mais alto. Explico.

Para levar questões, textos, imagens e outros materiais extras, o professor tem de tirar as cópias do próprio bolso, isto porque o Estado não oferece cotas de xerox e impressoras que funcionem corretamente. Então pense num professor que tem 12 turmas e aproximadamente 35 alunos em cada uma. Temos então 420 cópias a cargo do professor. Com isso, acabamos adotando meias medidas, como imprimir apenas 35 e reutilizá-las nas outras salas. O problema deste artifício é que o aluno continua sem material fixo.

No caso das aulas de auditório, há um outro problema. Nem sempre se consegue fazer funcionar os equipamentos. É comum termos problemas com som, imagem e projeção. Hoje mesmo não consegui passar um filme para uma turma, pois o computador era tão lento que não conseguia rodar o filme. É uma realidade difícil e que coloca todo o planejamento por água abaixo.

Então temos de nos virar com o que temos: sala de aula, giz, lousa e os alunos. É verdade que a escola disponibiliza mapas e que ainda temos como opção as dinâmicas em grupo e outras opções criativas. Mas de qualquer forma ainda está longe do ideal.

Em suma, as condições de trabalho do professor permanecem inadequadas e vocês saberão por quê ao acompanharem este blog. Por hoje vou ficando por aqui, pois já escrevi demais.

Obrigado e abraços!