terça-feira, 29 de março de 2011

Primeiro post

Olá a todos!!

Meu nome é Henrique e sou professor de História da rede pública estadual de São Paulo. Leciono em uma escola localizada na Zona Leste da capital paulista, local no qual venho tendo minhas primeiras experiências com a realidade da educação pública brasileira.

Vou utilizar este canal para transmitir meus pensamentos e peripécias dentro da sala de aula, tendo a dupla intenção de esclarecer muitas pessoas a respeito da relação professor-aluno na escola, bem como de propor discussões sobre o projeto de educação, consequentemente de sociedade que queremos.

Muitos dos formuladores das políticas educacionais - incluindo-se aí as propostas pedagógicas - não têm a mínima noção de como é ser professor em uma escola de periferia. Mais que isso, conhecem nossos alunos através de tratados de sociologia e de estatísticas, mas não têm condições de perceber sua relação com o espaço escolar, principalmente na sala de aula com os professores e colegas. Por isso, pretendo aqui desvelar as vicissitudes desta relação.

Esclareço desde já que procurarei relatar os acontecimentos de forma idônea e transparente. Todavia, não deixa de ser a visão do professor, de um professor mais acostumado à dinâmica do mundo acadêmico das universidades públicas e dos colégios particulares. O leitor crítico pode e deve utilizar este filtro, aproveitando meus próprios depoimentos para compreender quem é o professor, qual é sua realidade de trabalho e quais ideais ele carrega consigo.

Antes de iniciar a descrição dos fatos desta semana, procurarei de início fazer um apanhado geral acerca de minhas impressões como professor ingressante na rede estadual.

À primeira vista, a escola que escolhi para lecionar me pareceu com plenas condições de exercício docente: boa infraestrutura, com quadra coberta (algo não muito comum em outras escolas), rádio dos alunos, auditório com equipamento para audiovisual, muitas salas de aula, professores experientes e bem formados - com as devidas exceções - e alunos interessados e respeitosos. Tais ingredientes seriam suficientes para a realização de meu ideal de trabalho. Iniciei com vontade de ministrar aulas dinâmicas e interessantes; com conteúdos bem desenvolvidos e direcionados aos vestibulares e ENEM (já que se trata de uma escola de Ensino Médio). Todavia, a realidade não era bem essa, revelando-se progressivamente mais fria.

Um dos primeiros problemas a serem enfrentados é a adaptação do professor ao estilo dos alunos, e vice-versa. Como disse, venho de uma recente experiência como professor de universidade e trabalhei quase toda a minha carreira em colégios particulares, com turmas que iam do 6º ano ao curso pré-vestibular. Tentar implantar uma filosofia de trabalho distinta daquela a que os alunos da rede pública estão acostumados é difícil.

Em primeiro lugar, porque muitos deles não anseiam por vagas em universidades e nem sabem muita coisa sobre o ENEM ou o Prouni. Além disso, tiveram pouco contato com questões destes exames, as quais eles descrevem como questões de "xiszinho". Também não desconfiavam da multiplicidade de universidades públicas e particulares que podem lhes oferecer bons cursos.

Em segundo lugar, a maioria destes alunos não tem autonomia para acompanhar uma aula explanatória - muito comum nos cursinhos - na qual a atenção é requerida para se compreenda as relações de causa/efeito, bem como a importância de processos históricos. Na verdade, são eles copistas, que se acostumaram com professores que escreviam enormes textos na lousa e depois passavam questões cujas respostas facilmente se encontravam no corpo do mesmo. Em suma, bastava encontrar a resposta no texto e copiar o trecho que correspondia à referida questão. De qualquer forma, as turmas do 3º ano se mostraram um pouco mais autônomas, sendo que muitos alunos parecem mais propensos a receber situações diferentes. Já nos 1ºs a coisa é mais complicada. A velha dinâmica giz, lousa e saliva é recomendável, ainda mais porque não existe um material de apoio (livros ou apostilas), sendo que os resumos na lousa são todo o precioso conteúdo que recebem.

Mas alguns podem pensar: Por que o professor não traz atividades diferentes? Ele pode inovar!

É verdade, em parte. No meu caso, procuro bolar atividades de grupo, aulas de sensibilização (sondagem dos conhecimentos prévios do aluno antes de iniciar cada conteúdo), trazer material extra e levá-los ao auditório para seções de filmes e aulas em powerpoint. Vários outros professores também se esforçam em fazer tudo isso. O problema é que a falta de estrutura fala mais alto. Explico.

Para levar questões, textos, imagens e outros materiais extras, o professor tem de tirar as cópias do próprio bolso, isto porque o Estado não oferece cotas de xerox e impressoras que funcionem corretamente. Então pense num professor que tem 12 turmas e aproximadamente 35 alunos em cada uma. Temos então 420 cópias a cargo do professor. Com isso, acabamos adotando meias medidas, como imprimir apenas 35 e reutilizá-las nas outras salas. O problema deste artifício é que o aluno continua sem material fixo.

No caso das aulas de auditório, há um outro problema. Nem sempre se consegue fazer funcionar os equipamentos. É comum termos problemas com som, imagem e projeção. Hoje mesmo não consegui passar um filme para uma turma, pois o computador era tão lento que não conseguia rodar o filme. É uma realidade difícil e que coloca todo o planejamento por água abaixo.

Então temos de nos virar com o que temos: sala de aula, giz, lousa e os alunos. É verdade que a escola disponibiliza mapas e que ainda temos como opção as dinâmicas em grupo e outras opções criativas. Mas de qualquer forma ainda está longe do ideal.

Em suma, as condições de trabalho do professor permanecem inadequadas e vocês saberão por quê ao acompanharem este blog. Por hoje vou ficando por aqui, pois já escrevi demais.

Obrigado e abraços!

2 comentários:

  1. Muito boa sua iniciativa de expor a realidade das salas de aulas. Criticar e colocar a culpa no professor é muito fácil. Só quem já entrou numa sala de aula do estado, sabe quão hercúlea é a tarefa de "tentar" ensinar. Parabéns e boa sorte!

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  2. Parabens pela iniciativa! Para quem está na platéia, eh difícil enxergar os bastidores, ou seja por trás de tudo há uma história que muitos desconhecem!!!

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